Lição 4

Programabilidade no Bitcoin: sidechains, rollups e BitVM

Os participantes aprendem como a funcionalidade do Bitcoin está a ser alargada com soluções de camada 2 programáveis. Este módulo analisa sidechains como a RSK e a Stacks, rollups como a Citrea e a Botanix, assim como a inovadora estrutura BitVM. Explica como estes instrumentos permitem contratos inteligentes e capacidades de computação no Bitcoin, mantendo a segurança.

Sidechains: Liquid, Rootstock (RSK) e Stacks (sBTC)

As sidechains são blockchains independentes que funcionam paralelamente ao Bitcoin, permitindo funcionalidades que não estão disponíveis na camada base. Apoiam-se em mecanismos que bloqueiam BTC na cadeia principal para emitir ativos equivalentes na sidechain. Normalmente, estes sistemas implementam regras próprias de consenso, máquinas virtuais e lógica de transação autónoma.

Liquid Network

A Liquid Network, desenvolvida pela Blockstream, é uma sidechain federada concebida sobretudo para liquidação rápida entre plataformas de negociação. Permite que os utilizadores façam peg-in de BTC, convertendo-os em L-BTC na rede Liquid. As transações na Liquid são mais rápidas (blocos a cada minuto), confidenciais (através do mecanismo Confidential Transactions) e suportam a emissão de tokens para ativos como stablecoins ou títulos. A governação da Liquid cabe a uma federação de functionaries que assinam blocos e gerem as operações de peg-in/peg-out. Embora ofereça desempenho elevado e privacidade, a segurança deste sistema depende da honestidade da federação, não do proof-of-work do Bitcoin.

Rootstock

Rootstock (RSK) é uma sidechain atrelada ao Bitcoin que oferece plena compatibilidade com a Ethereum Virtual Machine (EVM). Permite a utilização de contratos inteligentes em Solidity, o que possibilita a criação de aplicações DeFi, oráculos, NFTs e muito mais — tendo o BTC como ativo subjacente. A RSK recorre ao merge-mining com o Bitcoin, o que significa que os mineiros de Bitcoin podem validar também blocos RSK. No entanto, o mecanismo de peg é controlado por uma federação, o que implica que a segurança da RSK depende deste conjunto intermediário.

Stacks

Stacks, anteriormente Blockstack, segue um modelo distinto. Utiliza o Bitcoin como camada de liquidação e ancoragem, mas mantém uma cadeia separada para execução. Em 2023, a Stacks lançou a sBTC, um ativo BTC programável atrelado 1:1 ao bitcoin real. A sBTC permite criar contratos inteligentes com a linguagem Clarity — um modelo de programação decidível e não Turing completo. Ao contrário do modelo de gas do Ethereum, Clarity oferece computação previsível e lógica contratual facilmente auditável. A Stacks encontra-se atualmente em transição para a atualização Nakamoto, que traz tempos de bloco mais rápidos e uma nova camada de consenso para reforçar a eficiência da rede.

Rollups no Bitcoin

Os rollups são protocolos de camada 2 que agregam múltiplas transações numa única prova, submetida à cadeia base. Tornaram-se essenciais no Ethereum, permitindo que o DeFi escalasse sem sobrecarregar a cadeia principal. Num rollup, o processamento e o armazenamento de dados ocorrem fora da cadeia (off-chain), enquanto a liquidação e a verificação de provas resultam on-chain. Assim, os rollups ampliam significativamente a capacidade de transação, mantendo parte da segurança da cadeia principal.

Adaptar rollups ao Bitcoin tem sido um desafio, devido à limitação da linguagem de scripting do Bitcoin e à ausência de mecanismos nativos para validar provas complexas como SNARKs ou STARKs. Apesar disso, vários projetos em 2024–2025 registaram avanços significativos na implementação de rollups para Bitcoin.

Citrea

A Citrea, desenvolvida pela Chainway, é o primeiro rollup zero-knowledge concebido especificamente para Bitcoin. Aproveita a atualização Taproot para ancorar provas zk on-chain, ao mesmo tempo que executa transações off-chain numa zkVM (máquina virtual de conhecimento zero). A Citrea possibilita o desenvolvimento de contratos inteligentes e aplicações com verificação criptográfica, sem que seja necessário processar cada etapa nos nós Bitcoin. O design privilegia a integridade e modularidade, com o objetivo de apoiar aplicações DeFi com liquidação diretamente em blocos Bitcoin.

BOB

BOB (Build on Bitcoin) é um rollup híbrido compatível com EVM, que integra o Bitcoin numa camada de aplicação baseada em ferramentas Ethereum. Une a infraestrutura OP-stack com uma ponte BTC nativa, permitindo o desenvolvimento em Solidity com a finalização ancorada no Bitcoin. O BOB valoriza a composibilidade com ferramentas Ethereum, o que torna o ambiente atrativo para projetos multichain. A principal dificuldade está nas premissas de confiança relativas às pontes BTC e à descentralização do conjunto de validadores.

Botanix

Botanix, lançada no início de 2025, disponibiliza outro rollup compatível com EVM para Bitcoin. Implementa uma arquitetura inovadora para ancorar transações EVM ao Bitcoin, mantendo a execução rápida na camada rollup. A Botanix anuncia blocos a cada 5 segundos, infraestrutura de carteira integrada e ferramentas para liquidez. O modelo de peg permite a transferência de BTC para o rollup via federação ou custódia baseada em smart contract, conforme a modalidade. Botanix posiciona-se como ambiente nativo de Bitcoin para programadores habituados ao ecossistema Ethereum.

Os rollups de Bitcoin são ainda uma área incipiente. Nenhuma implementação atual oferece garantias trustless de peg-in/peg-out equivalentes às existentes nos rollups do Ethereum. Usam-se, em alternativa, modelos híbridos que dependem de pontes terceiras ou mecanismos time-locked de resgate. A inexistência de opcodes de verificação genérica no Bitcoin limita a validação direta de zk-proofs ou fraud proofs. Não obstante, a investigação em funções como OP_CAT, OP_TAPLEAF_UPDATE_VERIFY ou Covenants poderá, no futuro, viabilizar arquiteturas de rollup com menor necessidade de confiança.

BitVM

O BitVM é um framework inovador, recentemente proposto, que permite cálculo Turing-completo em Bitcoin sem alterar as regras de consenso. Descrito pela primeira vez em 2023, o BitVM usa protocolos challenge-response entre duas partes — provador e verificador — para simular qualquer cálculo recorrendo a compromissos hashed e caminhos de script condicionais. Recorre a árvores Taproot e transações pré-assinadas para garantir acordos de cariz game-theoretic.

Na prática, o BitVM permite executar qualquer função computável fora da cadeia e verificá-la posteriormente on-chain, desde que haja pelo menos uma parte honesta no protocolo de challenge. Isto viabiliza casos de uso como verificação de provas de conhecimento zero, pontes BTC-nativas e validação de rollups.

O BitVM distingue-se dos contratos inteligentes tradicionais porque não executa cálculos diretamente na blockchain. Transfere toda a execução para fora da cadeia, trazendo disputas para o Bitcoin apenas quando necessário. Tal minimiza o consumo de espaço em bloco e preserva o design conservador do Bitcoin. Contudo, traz também elevada latência e necessidade de interatividade, tornando o BitVM mais indicado para validação de liquidações, deteção de fraude ou unlocks condicionais, do que para aplicações orientadas ao utilizador final.

Nova geração de Layer-2s em Bitcoin: Merlin, B² Network e Bitlayer

Para além dos Layer-2 já consolidados, como Citrea, Stacks e RSK, em 2025 surgiram novas soluções com o objetivo de expandir ainda mais a programabilidade e escalabilidade do Bitcoin. Merlin apresenta-se como um Layer-2 nativo de Bitcoin, otimizado para aplicações DeFi, oferecendo liquidação rápida, elevada capacidade de processamento e ferramentas de desenvolvimento inspiradas no sucesso do ecossistema dApp do Ethereum — mas mantendo a confiança e o valor no Bitcoin. Ao disponibilizar contratos inteligentes compatíveis com EVM e criar incentivos sólidos para fornecedores de liquidez, a Merlin pretende colmatar lacunas de usabilidade entre Bitcoin e os ambientes DeFi modernos.

B² Network introduz um framework zk-rollup especificamente desenhado para Bitcoin, promovendo escalabilidade e programabilidade com sistemas de provas de conhecimento zero. Apresenta compatibilidade total EVM, o que permite reutilizar código Solidity já existente, beneficiando da segurança do settlement na camada base do Bitcoin. O rollup recorre a SNARKs recursivos para comprimir dados de transações e viabilizar verificações escaláveis, mas, tal como outros rollups, depende ainda de mecanismos de bridging para transferir BTC entre camadas.

Bitlayer propõe uma abordagem modular e apresenta-se como o primeiro Layer-2 movido por zkVM no Bitcoin. Dá a possibilidade de desenvolver aplicações generalistas com garantias criptográficas avançadas, usando o Bitcoin como camada de liquidação e disponibilidade de dados. O objetivo da Bitlayer é proporcionar grande flexibilidade no desenho de contratos inteligentes, suporte a mensagens cross-chain e compatibilidade com ferramentas de desenvolvimento Ethereum como Remix e Hardhat. Apesar da fase embrionária, a Bitlayer desperta interesse enquanto solução para ambiente generalista de execução sobre Bitcoin.

Estas iniciativas espelham uma tendência clara: os Layer-2 estão a evoluir não apenas para aumentar o desempenho do Bitcoin, mas também para transformá-lo numa plataforma base de infraestruturas financeiras programáveis e interligadas. Cada uma apresenta diferentes compromissos entre segurança, desempenho e descentralização, mas todas reforçam a visão de que o futuro do Bitcoin pode acomodar aplicações complexas sem pôr em causa os seus princípios fundamentais.

Modelos de peg-in/peg-out, conjuntos de validadores e pressupostos de prova

Todos os Layer-2 programáveis sobre Bitcoin recorrem a algum mecanismo de transferência de ativos entre a camada principal e a secundária. Estes processos dependem de sistemas de peg que bloqueiam BTC on-chain e emitem representações equivalentes off-chain. Salvaguardar a integridade deste mecanismo é crucial para assegurar confiança e proteção dos utilizadores.

O modelo mais prevalecente é o peg federado, onde um grupo de signatários gere uma carteira multisig em Bitcoin. Os utilizadores transferem BTC para esta carteira e recebem tokens (como L-BTC ou RBTC) na sidechain. Para resgatar, devolvem os tokens e a federação devolve o BTC correspondente. Trata-se de um modelo simples e escalável, mas que implica risco de custódia. Se a federação coludir ou for comprometida, os fundos dos utilizadores podem ser perdidos ou bloqueados.

Certos sistemas utilizam pegs baseados em smart contracts ou contratos HTLC (hash-time locked contracts), permitindo pontes não custodiais mas limitadas pelas restrições do scripting do Bitcoin. Os rollups, por exemplo, podem recorrer a pegs unidirecionais, em que o BTC é bloqueado num contrato e posteriormente resgatado mediante verificação off-chain. Como o Bitcoin não valida zk-proofs ou fraud proofs de forma nativa, estas soluções continuam a depender de relays externos ou servidores de validação.

O modelo de conjunto de validadores varia consoante o sistema. Sidechains como RSK utilizam merged mining, beneficiando dos incentivos económicos dos mineiros Bitcoin. Outras soluções optam por signatários dedicados de blocos, proof-of-authority ou até mecanismos de proof-of-stake. A segurança e resistência à censura dos Layer-2 dependem em larga medida do grau de descentralização e transparência do respetivo conjunto de validadores.

Também os sistemas de prova diferem. Os rollups podem empregar provas de conhecimento zero (SNARKs, por exemplo) ou proofs de fraude optimistas. O BitVM apresenta uma nova abordagem de provas interativas baseadas em desafios computacionais. Cada método tem os seus trade-offs quanto a velocidade, custo de verificação e confiança para o utilizador final.

Ecossistemas de desenvolvimento e tooling

Os Layer-2 programáveis só têm real utilidade se existirem condições para os programadores criarem sobre estas infraestruturas. Em 2025, o ecossistema Bitcoin assistiu a um crescimento significativo de ferramentas de suporte ao desenvolvimento de smart contracts, emissão de ativos e integração com carteiras.

Stacks disponibiliza a linguagem Clarity, que permite execução previsível e integração nativa com blocos Bitcoin. Os programadores podem criar aplicações DeFi, plataformas NFT e DAOs em Clarity, ancorando-as na cadeia Bitcoin.

RSK é compatível com Solidity e ferramentas EVM, permitindo aos developers Ethereum construir sobre infraestrutura Bitcoin de forma fluida. Projetos como Sovryn e Tropykus já usaram RSK para trazer empréstimos, negociação e stablecoins ao universo Bitcoin.

Citrea e Botanix pretendem disponibilizar SDKs de rollup para que os programadores desenvolvam aplicações com linguagens do ecossistema Ethereum. Isto inclui integração nativa com Remix, compatibilidade com Metamask e indexação por subgraphs para análises avançadas.

As ferramentas baseadas em BitVM estão em fase bastante prematura, mas já existem protótipos para compiladores, motores de disputa e validadores on-chain. Estas ferramentas serão fundamentais para desenvolver aplicações práticas baseadas em provas interativas ou lógica de cálculo personalizada.

Fornecedores de infraestrutura como L2.watch, Chainway e BOB Studio estão a construir dashboards, pontes e portais para programadores, promovendo a atividade e adoção dos Layer-2 de Bitcoin. Com a evolução da interoperabilidade, será possível criar aplicações cross-chain que liquidam em BTC, mas que beneficiam da lógica de smart contracts e tokens implementada nas Layer-2.

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